Hoje cedo me olhei no espelho e me vi apresentável. A
maquiagem escondeu o que uma noite quase toda em claro se esforçou para deixar
marcado no rosto.
Já agora, à noite, ainda me via bem digna no mesmo espelho.
Na verdade, pouco havia sido modificado em relação a imagem refletida hoje
cedo. Os cosméticos realmente fazem milagres, por um instante rezei para que
eles pudessem maquiar a alma e deixá-la mais leve, jovem e bonita como faz com
pele. Cheguei até a implorar a Deus para que estes mesmos cosméticos pudessem embelezar
meus sentimentos hoje tão maltratados pela vida.
Apesar dos devaneios em forma de oração, não pude prolongar
ainda mais essa falsa imagem natural e imparcial. Peguei algodão e o
demaquilante caro, que apesar do preço, não cumpre tudo que promete. “Remoção
suave e sem irritação da pele”, não sei que suave é esse, sem esfregar o
algodão nos olhos o máximo que eu consigo é um olhar estilo “panda”. “Sem
irritação na pele”? Vermelhidão mudou de nome agora? Sério, as vezes acho que
água norma e sabonete neutro me dariam um melhor resultado.
Reclamar do demaquilante não ameniza o que o uso dele
evidenciou. A cada passada do algodão, a cada faixa de pele sem maquiagem que
ficava exposta deixava ainda mais nítido o que o coração e os olhos seguraram
dentro de mim o dia todo: a dor. Neste momento me permitir deixá-la sair.
Deixei a dor se mostrar e não vi beleza nisso.
Cada marca escura abaixo dos olhos mostra para mim que a vida
sempre pode bater mais forte, pode bater de maneira diferente, pode massacrar
sonhos simples e os complexos também e, principalmente, cada evidencia dessa
dor estampada no meu rosto com mais cores do que os quadros do Romero Britto
grita para mim que nunca vai ser fácil.
Mas a quem eu quero enganar, algum dia alguma coisa foi
fácil para mim? Não!
Preciso entender o que me levou a pensar que nesta fase da
vida seria mais fácil ou menos doloroso.
Sempre digo que a ignorância é feliz e cada vez tenho mais
certeza disso. Quando falo em ignorância não me refiro a grosseria ou falta de
polimento nos modos, refiro-me a não conhecer tudo que se está a sua volta, a
não querer saber o que tem atrás da porta pelo simples fato de desconhecer que
a porta pode ser aberta ou sequer que ela existe, entende?
Quando escolhemos transbordar à nossa essência esquecemos de
avaliar que, do mesmo modo que transpor nossos limites no remete a coisas boas,
na mesma medida podemos ser remetidos a coisas ruins.
Escolhi seguir em frente com algumas escolhas mesmo sabendo
que as chances de não dar certo eram enormes, mesmo assim escolhi transbordar e
não mesurei os riscos. Caí, está doendo e vai doer por muito tempo.
A idade ainda não me ensinou a ter ponderação, porém tem me
mostrado que no final, tudo fica bem.