terça-feira, 17 de novembro de 2015

Aparência

Hoje cedo me olhei no espelho e me vi apresentável. A maquiagem escondeu o que uma noite quase toda em claro se esforçou para deixar marcado no rosto.
Já agora, à noite, ainda me via bem digna no mesmo espelho. Na verdade, pouco havia sido modificado em relação a imagem refletida hoje cedo. Os cosméticos realmente fazem milagres, por um instante rezei para que eles pudessem maquiar a alma e deixá-la mais leve, jovem e bonita como faz com pele. Cheguei até a implorar a Deus para que estes mesmos cosméticos pudessem embelezar meus sentimentos hoje tão maltratados pela vida.
Apesar dos devaneios em forma de oração, não pude prolongar ainda mais essa falsa imagem natural e imparcial. Peguei algodão e o demaquilante caro, que apesar do preço, não cumpre tudo que promete. “Remoção suave e sem irritação da pele”, não sei que suave é esse, sem esfregar o algodão nos olhos o máximo que eu consigo é um olhar estilo “panda”. “Sem irritação na pele”? Vermelhidão mudou de nome agora? Sério, as vezes acho que água norma e sabonete neutro me dariam um melhor resultado.
Reclamar do demaquilante não ameniza o que o uso dele evidenciou. A cada passada do algodão, a cada faixa de pele sem maquiagem que ficava exposta deixava ainda mais nítido o que o coração e os olhos seguraram dentro de mim o dia todo: a dor. Neste momento me permitir deixá-la sair. Deixei a dor se mostrar e não vi beleza nisso.
Cada marca escura abaixo dos olhos mostra para mim que a vida sempre pode bater mais forte, pode bater de maneira diferente, pode massacrar sonhos simples e os complexos também e, principalmente, cada evidencia dessa dor estampada no meu rosto com mais cores do que os quadros do Romero Britto grita para mim que nunca vai ser fácil.
Mas a quem eu quero enganar, algum dia alguma coisa foi fácil para mim? Não!
Preciso entender o que me levou a pensar que nesta fase da vida seria mais fácil ou menos doloroso.
Sempre digo que a ignorância é feliz e cada vez tenho mais certeza disso. Quando falo em ignorância não me refiro a grosseria ou falta de polimento nos modos, refiro-me a não conhecer tudo que se está a sua volta, a não querer saber o que tem atrás da porta pelo simples fato de desconhecer que a porta pode ser aberta ou sequer que ela existe, entende?
Quando escolhemos transbordar à nossa essência esquecemos de avaliar que, do mesmo modo que transpor nossos limites no remete a coisas boas, na mesma medida podemos ser remetidos a coisas ruins.
Escolhi seguir em frente com algumas escolhas mesmo sabendo que as chances de não dar certo eram enormes, mesmo assim escolhi transbordar e não mesurei os riscos. Caí, está doendo e vai doer por muito tempo.

A idade ainda não me ensinou a ter ponderação, porém tem me mostrado que no final, tudo fica bem.